domingo, 13 de abril de 2008

seios como luas

"Não, a sério, espere, deixe-me desabotoar-lhe o soutien. Apaga-se uma das luzes na mesa de cabeceira, um púdico véu de penumbra desce sobre os lençóis (...). Eu descalço as peúgas sentado na cama, você luta com o fecho éclair das calças numa impaciência de taxista diante do sinal vermelho, e pode ser que pairem, com um pouco de sorte, neste quarto, doces atmosferas conjugais feitas de uma teia de hábitos comuns pacientemente conquistados. Mas deixe-me desapertar-lhe o soutien: adoro estes fechos pequeninos, complicados, que se abrem sempre ao contrário do que de início se pensa, e os seios que por fim me deixam na mão o seu invólucro de pano, como as cobras dependuram nos arbustos as peles abandonadas. Já reparou que os seios nascem como luas dos vestidos, redondos, brancos, macios, opalinos, de uma morna claridade interior de veias e de leite, erguendo-se sobre a cidade deitada do meu corpo num vagar triunfal? Gosto de ver os seios surgirem-me do flanco, subirem, indiferentes, à altura trémula e sequiosa dos meus beijos, cobrir com a nuvem do braço a sua suavidade calma, debruçar-me para a auréola dos mamilos em cuidados desajeitados de astronauta, pousar a testa no côncavo intervalo que os separa, e sentir dentro de mim, de olhos fechados, a funda tranqüilidade de um mar finalmente em repouso, tocado de leve pelo halo indeciso de um peito que amanhece."
(Os cus de Judas - António Lobo Antunes)