quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Sobre EU e VOCÊ

Estamos em constante processo de resignificação por uma questão natural. Somos colocados para refuncionar a partir das exigências da vida. Esse processo de resignificação de nós mesmos reflete uma realidade existencial. Nossos elementos singulares vão adaptando-se aos acontecimentos num movimento de (re)visitação de si mesmos e de conseqüente mutação sem prejuízo de nossa essência, mostrando-nos caminhos desprovidos de finitude e carregados de sentido que a identidade em processo de construção percorre, (re)construindo-se a cada passo num movimento ininterrupto de adaptação e significação valorativa dos símbolos que nos representam e nomeiam.
O movimento do nosso 'eu local' e do 'eu global' ou 'eu interior' e 'eu exterior' ou aquilo que 'realmente sou' e aquilo que 'aparento ser', vai constituindo-se em elemento de edificação identitária em todos os aspectos da nossa existência enquanto ser (lembrando que acredito na existência como infinita, a morte nos tira a vida mas não nos tira a existência).
Os nossos representantes simbólicos através do tempo são, sem dúvida, uma exigência histórica. A maneira como esses símbolos significam valorativamente processa-se nesse movimento de mutação ininterrupto e reticular por força temporal.
A idéia de identidade não está, certamente, cristalizada, não possui conceito definitivo, rígido, de uma realidade já definida. Somos, na verdade, um processo em andamento. Não estamos congelados no tempo, mas em processo contínuo de (re)visitação de nós mesmos e consequentemente em um processo contínuo de mutação, de transformação, que não significa o abandono de uma forma para a aquisição de outra, mas uma variação na forma sem prejuízo da essência, evolução de algo em si mesmo. Modificamo-nos em nós mesmos no movimento de nossos elementos originais e de elementos importados, de invenções próprias e de invenções tomadas de empréstimo, no movimento do 'de fora' e do 'de dentro'.
Somos algo inacabado, em eterna (re)construção. O singular e o plural vão se ajustando, alimentando-se um do outro. Todas as relações, sejam grupais ou interpessoais, estão entrelaçadas.
Parafraseando Thompson (teórico dos Estudos Culturais), a manutenção de nós mesmos no tempo exige uma contínua reconstituição de nossos conteúdos simbólicos no desenrolar da vida.
Eu e você somos uma construção narrativa autônoma. Defendemos nosso território individual e coletivo, estabelecemos nosso ritmo de vida, ordenamos nossos conflitos e nos determinamos legítimos a fim de nos diferenciarmos do Outro sem deixarmos de ser universais. Destacamo-nos não apenas pela diferença, mas pela hibridização. Pertencemos a um cenário multideterminado cujo destaque vai além do multiculturalismo étnico composto pelo nosso ser-índio, ser-africano, ser-europeu de nossa formação. Somos também e principalmente na maneira como (re)visitamos a nós mesmos e nos resignificamos. Reunimos o 'de dentro' e o 'de fora' sem deixarmos de ser singulares, sem deixar-nos perder do que nos significa diante do Outro. Não nos confundimos, nos transformamos sem prejuízo de essência. Reinventamo-nos em nosso cotidiano.
.
.
Relembro Ortega y Gasset naquela frase clássica:
"Eu sou eu e minhas circunstâncias."
('n' leituras para ela)
.
.
(pensamento desenvolvido a partir da realização de um trabalho científico sobre a resignificação da tradição na pós-modernidade. Os Estudos Culturais alargam nossa visão sobre conceitos que fazemos daquilo que observamos.)